terça-feira, 7 de abril de 2015

Persistência na educação dos filhos

ROSELY SAYÃO

É preciso aceitar que eles dão e darão trabalho, e podem não ser o filho ideal que aprendemos a querer


Vivemos numa época bem complexa para os mais novos e os seus pais. Nunca as contradições foram tão intensas: se, por um lado, os pais declaram o amor incondicional aos filhos e os tornam o centro da vida familiar, por outro lado, testemunhamos uma enormidade de queixas desses mesmos pais em relação às crianças e aos adolescentes.
Todo mundo já ouviu algumas frases ditas por adultos que têm filhos --ou que se referem a eles-- do tipo: "Meu filho tem um problema", "Não sei mais o que fazer", "Eu já fiz de tudo, não tem jeito", "A escola tem reclamado muito do comportamento dele", "Nós pais estamos perdidos", "O que eu faço?", "Devo procurar ajuda profissional?" etc. Vamos tentar entender alguns pontos dessas questões.
Primeiramente: ter filhos, hoje, para muitos adultos, não deveria trazer problemas, dificuldades, dúvidas e renúncias, e sim delícias, prazer, satisfação e desfrute. Ocorre que, quem tem filhos, por mais ou menos uns 20 anos --às vezes mais-- irá enfrentar percalços, consigo mesmo e com os filhos; terá de fazer escolhas e se defrontar com dilemas e perguntas que não têm respostas certas e que se transformam à medida que os filhos crescem, mas que permanecem.
Ora é o sono, a birra, a agressividade descontrolada e a recusa às regras familiares; ora é o estudo, a difícil aprendizagem das letras e dos números, a alimentação e a vida social; ora é a balada, o sono sempre desregrado, a bebida alcoólica e outras drogas, e assim por diante.
Então, senhores pais, é preciso aceitar o fato de que sim, eles dão e darão trabalho por motivos simples: recusam o mundo adulto ao qual são sujeitados, precisam experimentar e testar suas possibilidades e, portanto, desobedecer, por exemplo. E, acima de tudo, porque cada um deles é singular, muito diferente do filho ideal que aprendemos a querer ter.
E é exatamente por esse motivo que receitas não costumam funcionar. Ou até funcionam temporariamente, mas as questões que eles nos trazem sempre retornam, de um jeito ou de outro. Mais do que buscar respostas indicadas para esta ou aquela questão, é preciso olhar de perto e de olhos bem abertos cada um dos filhos para que, conhecendo-os, seja mais possível buscar soluções às questões que eles apresentam. E, mesmo assim, saber que as soluções que encontrarmos nunca serão mágicas.
Educar é um processo contínuo e isso significa que os resultados das estratégias que usamos com os mais novos podem não ser imediatos ou rápidos. Mas persistir por um tempo é o que irá mostrar se podem funcionar ou não.
Caso se constate que a estratégia escolhida não funcionou, é preciso criar outra maneira de abordar a questão. Manter-se potente na função de mãe e de pai não combina com as frases "Não sei mais o que fazer" ou "Não tem jeito". Sempre há outras saídas possíveis. Sempre.
Outra questão importante é que, hoje, mães e pais se percebem julgados como bons ou não no exercício de seus papeis de acordo com o comportamento, performance escolar ou escolhas dos filhos. É preciso resistir bravamente a isso.
Ser uma boa mãe ou um bom pai tem a ver com o vínculo estabelecido com o filho, a dedicação a ele, a disponibilidade para enfrentar as questões que ele, cotidianamente, apresenta, sem esmorecer, sem desistir.
Ser uma boa mãe ou um bom pai tem maior relação com resiliência do que com o comportamento do filho.
Folha , 07.04.2015.

terça-feira, 21 de outubro de 2014

Rosely Sayão: Profissão e ganho financeiro


Se não for por rendimento e empregabilidade, quais seriam outras maneiras de escolher uma carreira?
Quem tem filho no ensino médio, prestes a escolher um curso universitário, preocupa-se com o bem dele no futuro e tenta orientar o jovem, confuso com o enorme leque de escolhas que se amplia dia a dia.
Os pais apontam as profissões que eles consideram ter mais chances de colocação e de remuneração. Mas, num mundo que prioriza o consumo e, portanto, o ganho financeiro, isso limita demasiadamente a cabeça de muitos jovens.
O que eles, os estudantes, pensam ser importante na hora da escolha do curso universitário? Fiquei com essa pergunta depois de ouvir um grupo de adolescentes que fará vestibular neste ou no próximo ano.
Conversei com muitos outros na mesma situação e também com adultos que convivem com eles: pais, professores e outros profissionais. Vale a pena olhar para essa questão com cuidado e delicadeza, porque somos nós que, direta ou indiretamente, influenciamos o modo como pensam, talvez sem ideia de como isso possa se reverter contra eles próprios.
Sabemos qual ponto eles priorizam: a viabilidade profissional, pois entendem ser a possibilidade de trabalho que se reverte em benefícios financeiros. Ganhar dinheiro: é isso o que lhes interessa. É compreensível, já que a função básica do trabalho é oferecer a subsistência necessária na vida. Mas eles querem muito, muito dinheiro.
Os adolescentes manifestam interesses em todas as áreas de conhecimento: exatas, biológicas, humanidades e artes. Mas aí começa a confusão provocada pela nossa escolha social de priorizar, desesperadamente, o consumo.
Eles afirmam que, como os pais não concordam com as escolhas que parecem não render um bom dinheiro no futuro próximo, rapidamente eles abdicam do que é de seu interesse e gosto para se render às indicações da família. Adivinhe quais as profissões sugeridas pelos pais: engenharia, medicina, direito, administração e outras que já fizeram sucesso décadas atrás.
Perguntei se os jovens achavam que essas profissões lhes dariam garantia de boa remuneração e trabalho. Resposta quase unânime: sim! Em que mundo eles vivem? Ou melhor, em que mundo os fazemos acreditar que vivem, caro leitor?
Quando questionados sobre qual é o segundo ponto mais importante a ser considerado, logo após o de ganhar dinheiro, não tiveram como dar resposta. Para a maioria deles, não há plano B, segunda alternativa, outro critério ou possibilidade. É só essa, e ponto final.
Insisti: se não for por rendimento e empregabilidade, quais seriam outras maneiras de escolher uma carreira? Sugeri a eles o autoconhecimento e perguntei o que achavam disso. Encontrei espanto, surpresa e desconhecimento total sobre como isso poderia colaborar na escolha que farão. É como se eles não estivessem em jogo nessa escolha!
Dá para entender por que há tanta desistência nos primeiros anos das graduações, por que há tantas dúvidas na hora da escolha, por que há tanta dificuldade em terminar a faculdade e por que é pequeno o número de jovens que acreditam que conseguirão concretizar seus sonhos e projetos?

Precisamos encontrar maneiras de ajudar o adolescente a substituir o centro dessa questão: no lugar da busca financeira, é ele, o estudante e futuro profissional, quem deve assumir essa importância. Folha, 21.10.2014. 

terça-feira, 14 de outubro de 2014

Aquele momento Harvard

É do zero aos 18 meses que o chip Harvard é colocado nos bebês; o cérebro deve ser estimulado desde cedo

Um dos maiores prazeres que esta coluna me dá é usar a força e o enorme peso deste jornal para discutir pautas fora da caixa.
Um das discussões de ponta hoje no mundo, não nas principais economias, mas no que eu chamo de principais sociedades, como as nórdicas, é o foco em bebês.
A maioria das pessoas tem filhos no momento de sua vida profissional em que elas têm menos tempo para ser pai ou mãe. Mas são justamente os primeiros 18, 24 meses dos bebês que os estudiosos do assunto chamam de "momento Harvard".
A gente dá tudo na vida para colocar os filhos na USP, na FGV, no Insper, em Harvard, em Stanford. Mas é do zero aos 18 meses que o chip Harvard é colocado neles. Por isso é fundamental que casais modernos e futuros pais se informem sobre esse rico debate que se trava hoje no mundo avançado. Um debate que deve gerar políticas públicas modernas e práticas familiares modernas também.
O cérebro humano se desenvolve muito rapidamente logo depois do nascimento, atingindo quase metade do seu tamanho adulto com apenas poucos meses de vida. É uma máquina de conhecimento que precisa ser cuidada e estimulada desde cedo.
O bebê não pode ficar só ao cuidado de terceiros, da TV ou da Galinha Pintadinha. Cantar para o bebê é fundamental. Incentivá-lo em avanços cognitivos é imprescindí- vel. Ser um pai e uma mãe modernos é dedicar atenção ao bebê justamente naquela hora em que se chega em casa completamente exausto. Conheço esses problemas e fui muitas vezes omisso terceirizando esse cuidado.
Hoje está mais do que provado que é o casal, a família e eventualmente um profissional modernamente orientado que vão fazer com que o bebê se desenvolva intelectualmente naquele momento Harvard, naquele momento de fundação de prédio.
Se você está grávido, futuro papai ou futura mamãe, "google" tudo sobre esse assunto. Consulte o site "Raising Children Network" (www.raisingchildren.net.au), custeado pelo governo australiano. O governo de lá, como o de muitos países desenvolvidos, estimula como pode e com cada vez mais recursos a reprodução de seus cidadãos.
A Suécia, o país mais avançado da União Europeia nesse assun- to, foca a assistência e os benefí- cios tanto na mãe quanto no pai, garantindo que ambos possam exercer os mesmos direitos e cumprir as mesmas obrigações nesse período tão importante não só para o bebê mas para toda a família. Os resultados mostram que estão no caminho certo.
Veja também uma excelente entrevista da ex-secretária de Estado americana e recém-vovó Hillary Clinton para a TV CNN sobre o assunto. Minha mãe, engenheira formada em 1957 e que me teve em 1958, cantava para me pôr a dormir. Na entrevista, Hillary conta como essa prática de ninar é importante para os bebês.
E não é só a vida acadêmica que começa a ser moldada quando se é um bebê. Outro dia o "New York Times" divulgou uma série de novas pesquisas apontando que os hábitos alimentares estabelecidos quando nós ainda somos bebê têm enorme influência no que comeremos durante toda a vida. Nessa era em que cada vez mais somos o que nós comemos, é bom prestar muita atenção no que seu bebê está comendo ou no que você está dando para ele comer, pois ali está nascendo o padrão alimentar do seu filho para o resto da vida dele.
E, claro, não crie seus bebês apenas para o futuro. É preciso criá-los para o presente também.
Nós não temos que dar aos bebês brinquedos que os deixem entretidos e quietos, mas motivados, articulados e pensativos. E falar com eles quando pensamos que eles não estão escutando. Os bebês compreendem a linguagem muito antes de aprender a falar.
Agora que eu me preparo para ser avô num futuro próximo, vou estudar para isso. Para poder ajudar meus filhos modernamente atarefados, dividindo com eles a tarefa de dar ao bebê seu primeiro diploma: um cérebro afiado para tudo mais.